https://www.instagram.com/oficiodaslavadeiras

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Problemas e Memórias nas Margens do Rio Acaraú


O projeto remonta a uma imagem banalizada de Sobral, onde todos os habitantes que cruzam o rio banalizaram aos seus olhares. O que é uma lavadeira? Facilmente, e objetivamente, responderíamos: “É uma mulher que lava roupa no rio”, e de todo modo não estariam errados, sobretudo sem muitos questionamentos dos porquês da existência desse trabalho na beira de rio como é na cidade de Sobral. Lavam roupa na beira do rio para seu sustento ou economia, geralmente são negras, no entanto, na região em destaque, as lavadeiras poderiam ser também de origem indígena, tendo em vista a forte presença da população nativa durante a construção da região hoje conhecida como Sobral. Portanto, o oficio está atrelado tanto a história da cidade, e seus mais de 200 anos, quanto história do Brasil, porém, não são retratadas como parte de tal, já que a historiografia durante muito tempo se preocupou em falar somente sobre os grandes nomes, ou mesmo de um conjunto específico de sujeitos.


Rio Acaraú, Sobral - CE

Pedras usadas pelas lavadeiras do Rio Acaraú, Sobral - CE 

Lavadeira no Rio Acaraú, Sobral - CE


    Algumas imagens são comuns ao imaginar o Rio Acaraú em Sobral, a primeira diz respeito, atualmente, a poluição constante ao longo do rio pela população; e a segunda que é constituída por uma série de sujeitos, são eles: Os canoeiros, os pescadores e as lavadeiras. Qual a relação entre esses sujeitos com o rio? Ou melhor, e mais diretamente, como se dá o oficio das lavadeiras em meio a constante poluição do ambiente?
Como é possível lavar roupa em meio a poluição aquática? A roupa não fica suja com a água poluída?
Não é de se estranhar que com a chegada da modernidade, os ofícios culturais estejam desaparecendo, principalmente no que concerne a população ribeirinha do rio Acaraú, sobretudo muitos questionamentos surgem dos porquês da permanência desse trabalho na beira de rios como é na cidade de Sobral, berço do projeto, por que, então, essas mulheres que tanto refletem a imagem de Sobral estão parando de lavar roupa?


Sobral - CE


    
De igual maneira, outrora o oficio foi tratado como uma válvula de escape, mas dentro da crescente modernidade, por um lado, há uma facilidade maior com algumas práticas. Desse modo, em relação a lavagem de roupa, podemos imaginar a máquina de lavar roupa, e o acesso a água encanada em casa. Contudo, mesmo com essa facilidade de acesso a água e na lavagem de roupa, o oficio ainda tem perdurado, por que lavar no rio e não em casa? há acesso a água encanada em suas residências? qual a diferença entre lavar na máquina e no rio? Aliás, outra questão, óbvia, mas que deve ser lembrada, o que é uma lavadeira? Qual sua rotina? O que esse oficio ainda traz consigo nessa longa duração? Qual significado do rio? quais os materiais usados na lavagem por essas mulheres? O que as levou a praticarem esse oficio? O oficio está sendo passado a diante? Todos esses questionamentos devem nos levar então a responder à pergunta mais relevante de todas: qual a importância das lavadeiras? Não nos comprometeremos em responder determinada indagação, mas levar o leitor/ouvinte a refletir e responder por si mesmo.

Lavadeiras exercendo seu ofício na margem do Rio Acaraú, Sobral - CE

Raizes das lavagens de roupas

    O trabalho de lavadeira tem suas primeiras aparições no Brasil durante o final do século XVIII, e é visto mais frequentemente durante o século XIX. Entretanto, a prática da lavagem de roupa já era vista na Europa há pelo menos dois séculos antes como oficio remunerado, enquanto no Brasil ainda era uma atividade de mulheres escravizadas, pobres, ou negras alforriadas. Além disso, sempre foi considerado um trabalho feminino simplesmente por estar vinculado a uma das atividades domésticas, inclusive por essas serem consideradas “leves”, contudo, exige muito de suas praticantes por ser uma prática árdua pela rotina cansativa, o trabalho diário.  Todavia, ao tratar da atual cidade Sobral durante os séculos XVIII e XIX, a escravidão como conhecemos tem se mostrado restrita, de modo que a presença das populações nativas, de origem indígena se mostrem maioria e que por fim, possam ter sido mais presentes na pratica do oficio por sua sobrevivência. Mas também, ao tratar da escravidão, seria uma das suposições sobre como essa prática tenha chegado nesse lugar, além da própria influência Europeia.

Lavadeiras negras

Lavadeiras, São Paulo

Mãos de lavadeira, Cidade do México


Os registros mostram que, durante o período imperial, era comum ver mulheres negras, reunidas em fontes d’água exercendo essa prática, porém havia algo que chamava atenção. Elas, mesmo realizando uma atividade pesada e em sua condição como escrava, sempre estavam se divertindo nesses espaços – conversando, trocando saberes, cantando, banhando e até mesmo namorando –, porque o oficio era muito mais do que a lavagem de roupa, é possível o reconhecer como uma válvula de escape para a dura condição onde elas se encontravam. Após a abolição da escravidão, fora imposta para essas mulheres e os demais escravos uma dura realidade, porque esses sujeitos foram libertos sem as condições de vida necessária para se sustentarem, ou seja, só restavam para eles optar por meios alternativos de sobrevivência, portanto, muitas mulheres recorreram para a lavagem de roupa, que mesmo sendo uma prática árdua, recompensava muito, tanto pela remuneração – tendo em vista também que lavadeiras trabalhavam duro – quanto pela satisfação em exercer a atividade – lembrando que as fontes d’água, em relação ao oficio, eram pontos de encontro em que as mulheres usavam para socializar, cantar e se divertir. 


Lavanderias em Güetes

Lavanderas en Jirueque, 1956

Lavanderas en Jirueque. 1956




    
Logo, muitas delas conseguiram se manter a partir da lavagem de roupa, em um contexto de uma extensa desigualdade social, principalmente vinculado as pessoas que saíram do estado de escravo ou descendiam de escravos – o oficio era exercido também por mulheres brancas e pobres, sendo assim uma minoria quantitativa.


Lavadeira, Portugal

    

    Dentro desses dois contextos, europeu e brasileiro, a história da lavagem de roupa se mostra tão longa que parece impossível trabalhar sem os devidos recortes. É muito comum encontrarmos artes relacionadas a mulheres com trouxas de roupa, ou baldes, na cabeça e saias longas indo ou voltando da beira do rio e, é claro, sempre acompanhadas. Entretanto, atualmente, se falamos em lavar roupa, lembramos, dentro das demais coisas, do sabão. Visto isso, o sabão teria sido feito por elas para que pudessem lavar as roupas, pratica que já foi deixada de lado com o surgimento da industrias de sabão, de igual maneira, outras coisas poderiam substituí-lo como plantas, urina, cocó de animais ou frutas. Portanto, cabe aqui entender como um aspecto importantíssimo no que concerne à lavagem de roupas pela grande massa de mulheres na longa duração. Ademais, veremos também invenções dos séculos XVIII e XIX que contribuíram para a lavagem, são elas a máquina de lavar e o secador de roupas, e ainda teriam as tábuas de lavar as quais roupas eram lavadas e batidas para que sua sujeira saísse, enquanto que a máquina de lavar movida a energia elétrica só surgiria no século XX. Além disso, não vamos esquecer das Lavadouros públicos que surgiram face a modernidade dos espaços durante o século passado, reforçando de certa maneira os encontros para lavar roupa.


Lavadeiras

https://www.wikiart.org/pt/eugene-de-blaas


Tábuas

Espremedor de roupas de fazenda Vintage.

Tina de lavagem de barril de madeira vitoriana de 1890 da antiguidade completa com seu espremedor de manivela e sua tábua de lavar de madeira com uma tábua de esfregar de vidro incorporada.

1910 - 1920 Máquina de lavar manual de madeira

Máquina de lavar roupa mecânica Boss

Amostra de vendedor de máquina de lavar espremedor em miniatura

Máquina de lavar elétrica

Esse era o padrão de beleza da modernidade que utilizava a sexualização feminina no ofício

    O símbolo das lavadeiras que queremos relembrar é daquelas mulheres que cantavam e sorriam rodeadas de outras mulheres e crianças, afinal, tudo isso permanece em nossos dias, já que os métodos para lavagem evoluíram de maneira proporcional a desigualdade social intensificada dentro da modernidade no do século XX no Brasil. Assim, poderemos entender que a modernidade é:

    “Nesta passagem de tempo, velho e novo, antigo e inovador são imagens recorrentes, à medida que o caráter civilizador do processo globalizante de desenvolvimento econômico ao qual o Brasil estava inserido recorre à implantação de novos padrões estéticos, tanto urbanísticos, na organização da cidade, como arquitetônicos, na elaboração destas construções.” (SOARES CARDOSO NETO, Francisco. 2017.)


Lavando lã no rio Azuer. Membrilla (Ciudad Real) 1970.


    Qual a relação entre ambos? Durante o século XIX a lavagem de roupas era praticada por mulheres escravizadas que continuaram, muitas vezes, a lavar depois da abolição da escravidão para sobreviver já que não tiveram as condições para serem reinseridas na  sociedade como cidadãos, gerando uma extensa desigualdade. Desse modo, com a chegada da modernidade, um novo padrão estético se instala, excluindo o que seria feio – estranho, sujo ou pobre – aos olhos dos “progressistas”, porque seriam coisas que barrariam a “evolução” da sociedade. Ou seja, podemos dizer que muitos desses indivíduos foram removidos dos seus espaços de atuação e de moradia devido aos significados novos que que eles lhe davam. No que concerne as lavadeiras, muitos preconceitos surgiram com elas e foram expulsas dos seus lugares de atuação muitas vezes, gerando, assim, os lavadouros públicos como política de higienização. Entretanto, ainda sim, buscaram lavar nos rios pois tinham um melhor espaço de socialização, e podiam também economizar água, energia, tendo em vista que muitos lugares – interiores e subúrbios – ainda careciam de acesso a estes. Portanto, a modernidade se mostrou apenas para alguns na medida que excluiu os outros, logo, muitas mulheres não teriam acesso a máquina de lavar, água ou energia, e, por isso, foram aos rios, enquanto outras poucas poderiam lavar em casa de maneira “rápida”.

 

Río Tormes - Salamanca - 1966

Las Vegas

Mulheres lavando roupa em lavanderia pública em Barceloneta (entre 1920-1930)

Lavando as roupas no raft, anos 60 - 70 

Lavanderia, Ares del Bosque 

Lavadouro

     Além disso,  muitas de nossas entrevistadas argumentaram que “a máquina não lava tão bem quanto a gente” e que preferem lavar lá pois se sentem mais “aliviada”, podem cuidar de seus filhos enquanto banham, se divertem conversando com outras mulheres, e, ainda, economizam água, mesmo que tenham acesso a ela, o lugar é mais espaçoso e tranquilo. Embora, ainda digam que o surgimento da máquina causa o desaparecimento da clientela, já que a roupa pode ser lavada em casa. O rio Acaraú ganha um significado diferente para essas mulheres, usam-no de modo doméstico, além de ser um lugar de paz e sociabilidade, que está sendo destruído pelo uso insustentável do rio pela cidade, entenderemos essa relação com o meio ambiente como uma “crise de percepção”:

    (Fritjof Capra,1996) postula que, atualmente, vivemos uma crise de percepção derivada de uma visão que ignora a inter-relação e a interdependência entre sociedade e natureza. Dentro de uma perspectiva ecológica, é preciso perceber e reconhecer que a escassez dos recursos naturais, a degradação ambiental e social são aspectos de um mesmo problema: a concepção de mundo que separa natureza por um lado e sociedade por outro (NASCIMENTO; NAKASU. apud Fritjof Capra,1996)

Rio Cubiella, em Grado

Pequena lavadeira do rio Manzanares. Madrid


Lavanderias em Las Hurdes

    De todo modo, podemos notar um uso sustentável do rio por uma parcela da sociedade. Dentro dessas questões estão os motivos para lavar no rio, além de enfrentarem a desigualdade social nas margens do rio Acaraú, pois argumentam que este é o seu “ganha pão”, e é o que as resta já que “o dinheiro de governo nunca é suficiente”. Entenderemos, então, como um descaso administrativo com a população e o meio ambiente – chegaremos nisso posteriormente –, que perceberemos que não é de agora, e sim desde a abolição da escravidão para ser simplório. Igualmente, da maneira que tem se sustentado, ainda passa a diante para as filhas dessas mulheres. Segundos as entrevistas orais, as lavadeiras são, em grande parte, caracterizadas pelas roupas que usavam, logo, todas as manhãs andavam pela cidade recolhendo as roupas, usando sempre uma saia longa e equilibrando uma trouxa de roupas na cabeça – roupas que foram recolhidas ou que vão ser entregues, variando do horário do dia e da própria rotina de cada uma –, voltando, geralmente, no final da tarde para entrega-las. Aliás, é comum ver a presença dos filhos acompanhando suas mães na prática do oficio – vale ressaltar que, em campo, percebemos a presença de mais crianças durante o final de semana quando não têm aula –, além disso, muitos destes acabaram por continuar a exercer a atividade na família, seja como forma de ganhar a vida, seja como tradição . De tal modo que boa parte das entrevistadas alega que o mesmo foi repassado pelas mulheres de suas famílias – suas avós para suas mães –, já outras afirmam que tiveram que aprender “sozinhas” para poder sustentar suas famílias. 


Lavadeira, Sobral - CE

Rio Acaraú, Sobral - CE

Lavadeira com sua trouxa de roupa no Rio Acaraú, Sobral - CE


    Portanto, há uma resistência dessas mulheres que continuam praticando e ensinando esse oficio as suas descendentes, resistência que foi sentida durante a pesquisa de campo.  Ainda que com a constante poluição do rio Acaraú que amedronta suas clientelas e com a facilidade que surge das novas tecnologias para lavagem. Em suma, foram registradas mulheres e suas filhas exercendo o oficio – a ressaltar uma continuidade na tradição –, mesmo com todos os obstáculos e a desvalorização da profissão. Lavam as roupas nas margens do rio Acaraú, na cidade de Sobral, que passam pelos bairros, geralmente aos locais que elas moram, das Pedrinhas, Dom Expedito – Margem Direita –, no local conhecido popularmente como Os Gaviões – referente ao bairro dom expedito, atrás do North Shopping – e também na Margem Esquerda com pouca frequência, segundo alguns habitantes desses locais.


Rio Acaraú, Sobral - CE

Margens do Rio Acaraú 
Sobral - CE

    Todos os dias essas mulheres se encontram em seus respectivos locais de trabalho, sentam em suas pedras, ou utilizam qualquer outro material que sirva de apoio para a lavagem – seja na parte mais rasa, seja mais funda do rio –, lavam, batem e ensaboam suas roupas, e ainda ensaboadas, elas deixam as vestes para “Quarar” – processo que consiste em expor a vestimenta ensaboada ao sol, deixando a mesma secar –, nas pedras ou na areia, variando da geografia do lugar do rio. Após esse procedimento, elas as lavam novamente para tirar o sabão e deixam para secar em outro lugar – em outras pedras ou areias, ou mesmo levam para secar em casa –, ao fim do dia, as roupas são entregues aos seus donos ou levadas para casa.

 

Vestes para “Quarar” no Rio Acaraú, Sobral - CE


Vestes para “Quarar” no Rio Acaraú, Sobral - CE


As duas faces do Rio Acaraú

    O ofício durante o século XX foi ameaçado pela crescente modernidade – pelas políticas de embelezamento e higienização – que tem removido essas personagens do campo de atuação e principalmente tirado seu meio de sustento, ou seja, houvera quem chamasse as lavadeiras de “propagadores de doenças” . Além desse pensamento, é importante lembrar a constante poluição das fontes d’água foi intensificada nos últimos anos, o espaço retratado nesta pesquisa diz respeito ao rio Acaraú na cidade de Sobral, mas a poluição de outros rios prejudica essas mulheres em outros lugares, gerando consequências não só as lavadeiras, mas também aos pescadores e canoeiros em Sobral. Portanto, esse oficio tem sido cada vez mais prejudicado por esses fatores junto ao aparecimento da máquina de lavar elétrica que facilita a lavagem, os frutos da modernidade.  

  

Rio Acaraú poluído 
Sobral - CE


    É importante ressaltar que atualmente, as águas do rio Acaraú podem ser vistas de diferentes realidades, obtendo também diferentes significados. De um lado, as águas poluídas geram um certo desprezo e esquecimento do rio, que outrora foi o principal meio de desenvolvimento da cidade. Assim, ao atravessarmos a ponte, vemos a predominância de uma vegetação, os aguapés, que cresce ao redor do rio indicando a poluição do lugar, contudo, a presença dela visa combater a poluição, mas o acumulo dos aguapés prejudica o uso social do rio. Além do esgoto e lixo depositado constantemente em suas margens, pois não precisamos procurar muito para ver sua poluição. Igualmente, fruto de uma modernidade e de uma percepção cada vez mais “separada” do meio ambiente, por vez banalizado e distanciado, e essa distância entre os sujeitos está vinculado com grande parte dos problemas naturais e mesmo sociais.

Rio Acaraú com grandes quantidades de lixos, Sobral - CE


    A outra face do rio está no significado que a população ribeirinha dá ao mesmo. Durante nossa primeira visita em campo, conhecemos o senhor Otaviano – quem nos guiou, residente das margens do rio, filho de lavadeira. Ao pedirmos informação ele se ofereceu para nos levar ao local em que a roupa é lavada e disse que já estaria indo para o local pois iria “dar um mergulho” no rio. Logo, o indagamos sobre a poluição da água e ele disse que não havia muitos problemas, já que “a correnteza leva a poluição embora”. Desse modo, percebemos o significado dessas águas para a população ribeirinha, elas estão ligadas desde cedo em seus espíritos, um lugar de distração para o banho é um exemplo disso. Ademais, para as lavadeiras, percebemos que aquelas águas são sagradas, já que o lugar é um ponto de encontro social, ali elas lavam, banham, cuidam de seus filhos – seja como um ponto de encontro das crianças, seja passando a tradição da lavagem – e interagem entre si. Contudo, o por que não lavam roupas em casa? Uma das entrevistadas afirmou que passa mal quando não lava roupa no rio, uma espécie de necessidade de estar ali, isto é, mesmo com a degradação do rio, estes sujeitos continuam a usá-lo por seu significado, contudo seus praticantes estão aos poucos deixando o lugar em decorrência da insustentabilidade dele. 

Sr. Otaviano guiando a equipe de Museologia até o Rio

Sr. Otaviano ressaltando importância do Rio Acaraú

Rio Acaraú usado com laser


    As águas ficaram mais escuras ao longo dos últimos anos em decorrência de esgotos cada vez mais frequentes nas margens. Desse modo, questionamos as lavadeiras sobre sua relação com a poluição, afinal, a roupa não ficaria suja? Elas argumentam que como “a água é corrente, não prejudica a lavagem”, e ainda sim, “as roupas saí até mais limpa e cheirosa”. A face da poluição está na totalidade do centro urbano, e sua negligencia ao uso das águas, pois não se consideram dependente delas e por isso podem jogar seus dejetos no rio, uma concepção que ignora a relação direta com o meio ambiente. Portanto, o oficio perdura com dificuldade e estabelece para si novos significados para o que é ser uma lavadeira: é resistir a desigualdade, denunciar a poluição e todo o descaso com o meio ambiente e a população de maneira quase inconsciente, socializar, divertir-se e viver de maneira sustentável em face a toda exclusão proporcionada desde o fim do século XIX. Segundo uma de nossas entrevistadas Francisca Nagila, uma lavadeira é:

“uma pessoa que luta né, com a roupa do dia a dia. A roupas que a gente sempre precisa para lavar... que nunca a gente tem dinheiro suficiente, porque cê sabe que dinheiro de governo nunca é suficiente né, a gente sempre tem que trabaiá lavando roupa no rio{...}, minha mãe sempre dizia”.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O que é mais curioso é que o oficio não deixa de ser árduo, e mesmo assim é praticado de maneira singular, isso se dá por esses fatores. Nesse sentido, ainda perdura como uma válvula de escape para essas mulheres, além disso, na medida em que a sociedade está em constante progresso com a modernidade, podemos também considerar um progresso falho em questão de ser seletividade e sustentabilidade, já que muitos indivíduos são excluídos, e o meio ambiente está sendo destruído aos poucos. Tendo em vista as águas do rio lembremos de uma tirinha  que retrata dois peixes em um ambiente aquático poluído, eles veem um jornal na água que diz “cientistas encontram água em marte”, tendo lido isso um peixe vira para o outro e diz “como chegamos em Marte?”. Portanto, ressaltamos a importância de questionar a permanência de ofícios culturais em decorrência de seu desaparecimento com um intuito de perceber a negatividade da instalação modernidade já que, cotidianamente, fomos ensinados a lidar com a comodidade da vida moderna sem considerar determinados processos históricos, problematizando a sociedade ao nosso redor.


Essa é uma replica de uma tirinha não encontrada, portanto, é desconhecido o verdadeiro autor.


 

Referências bibliográficas

BRÍGIDA R. R. MEYER, Johanna. “Lavadeiras vão à luta: organização e atuação da ALARMES na Bahia (1983-2002)”. São Cristóvão, 2016.

 

EMPINOTTI, Vanessa. Quando ter água na torneira não é o suficiente: os diferentes significados da água em uma comunidade ribeirinha do Baixo Rio São Francisco. Brasília – DF; IV Encontro Nacional da Anppas, 2008.

 

LEMOS CUNHA, Aline. “‘Às margens’ das lagoas lavando suas roupas (e “hidratando” suas almas): ancestralidade e atualidade de mulheres afro-brasileiras e a construção de saberes em espaços não-formais.” UNISINOS.

 

NASCIMENTO, Francisco; NAKASU, Licurgo. PERCEPÇÃO AMBIENTAL: LAVADEIRAS DE ROUPAS DO RIO CONTENDAS, CIDADE DE MASSAPÊ-CE. Revista Homem, Tempo e Espaço. Sobral (CE), 2007.

 

SOARES C. NETO, Francisco. “DE MARGEM A MARGEM: Memórias de Lavadeiras e as Normas da Modernização (1960/1970).” Ficção e Poder: Oralidade, Imagem e Escrita, 2017.

 

Universidade Estadual Vale do Acaraú, UVA. HISTÓRICO DA DEGRADAÇÃO DO RIO ACARAÚ NA CIDADE DE SOBRAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS. III CONEDU, Congresso nacional de Educação.

 

Agradecimentos:

Ana Paula da Silva. 
Francisca Nagila.
Kariny Almeida.
Maria de Fatima Belarmino.
Maria Vanusa do Nascimento.
Sr. Otaviano.
Teresa Clemente.

Integrantes do projeto:

Eliete Magalhães.
Ana Lillian Sousa.
Natã de Paulo. 
Igor Carvalho.
Pablo Rocha. 

 Nós agradecemos pela visita ao nosso blog!